quarta-feira, 17 de junho de 2009

O livro multimídia

Crônica de Nelson Motta publicada em O Estado de S. Paulo em 12/12/2008.

Nunca na história deste planeta a arte e o entretenimento sofreram tão dramáticas transformações. E, desta vez, movidas menos por correntes de pensamento, movimentos sociais ou tendências de comportamento, do que pela tecnologia. A internet e o mundo digital escancararam liberdades e possibilidades que mesmo as utopias artísticas mais delirantes jamais ousaram sonhar.

Enquanto isso, na boa e velha literatura, esses efeitos foram mínimos. Graças a um design original perfeito, o livro de papel se tornou um dos objetos mais simples e úteis da civilização: um insuperável hardware multiuso. Ao contrário das artes visuais e sonoras, onde os novos formatos e tecnologias se sucedem, vertiginosos, no mundo da palavra escrita só agora as primeiras telas digitais de leitura começam a conquistar leitores, lentamente, como se vira uma página. O cheiro do papel, a textura, a "amassabilidade" do livro, a vibração colorida da capa resistem nos sentidos do leitor.


Mas nos textos, além de hoje serem chamados de conteúdo, quase nada mudou na era digital. A linguagem pouco se modificou, apesar da enganação de se atribuir a textos coloquiais publicados em blogs, e só por isso, uma "modernidade automática". Embora pareçam remixes de velhos estilos, beat generation, nouveau roman, new journalism e poetas marginais.

Desses novos formatos, o audiolivro é o que parece ter mais futuro. No conforto do i-pod, no laptop, no tocador de CD de casa ou do carro, no walkman, o autor ou um artista famoso lê a história para você, pela metade do preço do livro de papel. Ou por um terço, se você fizer o download pago.

Com essas novas possibilidades de expressão da mídia digital, a linguagem também pode evoluir muito. Agora é possível escrever uma história não mais para ser lida, mas para ser ouvida, com pausas, entonações, emoções, intenções, sotaques. Melhor ainda, pode-se usar vários atores — como numa leitura teatral — para interpretar diversos personagens. E ainda acrescentar som ambiente, ruídos, músicas, climas sonoros, fazendo do "livro multimídia"... êpa! uma novela de rádio dos anos 50.

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