sexta-feira, 19 de junho de 2009

Biblioteca e cidadania

Artigo de Anna Verônica Mautner publicado na Folha de S. Paulo de 18/06/2009.

Já houve tempos em que a biblioteca exerceu a função de espaço para constituição de cidadania. Lá os jovens se encontravam, trocavam ideias e se informavam, na condição mais igualitária possível. Livro, revista, jornal, espaço, serviço da bibliotecária, mesa para ler e escrever e saguão para conversar. Tudo gratuito.


Frequentar uma biblioteca, apesar de todas as vantagens descritas acima, parece que está caindo em desuso.


Para substituir esse saudável hábito, as livrarias estão tomando ares de biblioteca. As modernas têm até poltrona e sofá, onde se pode consultar ou ler um pouco, além de barzinho para tomar café com bolinho. Tudo tão parecido com as bibliotecas de antigamente!


Sei que a internet preenche uma parte dessas funções, mas nem todas. Falta o calor do olhar e do som das vozes. A tendência dessas novas livrarias confirma o prazer de manusear livros, de ler trechos sem compromisso, mas com conforto, e de trocar ideias ao vivo.


Qual será o problema das bibliotecas que são inauguradas em série pelos governos, mas parecem não desabrochar? Será que funcionam de forma insatisfatória porque são pouco frequentadas ou são pouco frequentadas porque funcionam de forma insatisfatória? Não vou resolver esse dilema.


Certas funções que elas exerciam continuam sendo importantes. Sua ausência representa falta de espaço público protegido para que possa haver socialização em torno de informações e de ideias.


Era nos saguões e no entorno das bibliotecas que se falava de música, cinema e teatro -difundindo posições e opiniões.


Conversar em volta da estátua do saguão da Biblioteca Municipal de São Paulo era fazer parte de uma geração, de uma turma: era uma identidade. Ali se folheavam revistas, liam-se livros clássicos e modernos e faziam-se anotações para os livros que se sonhava escrever.


Quero frisar que esse jeito tão democrático de encontro possibilitou a várias gerações de jovens oriundos dos quatro pontos da cidade o acesso à cultura e à cidadania. Só custava a condução para chegar até lá.


Os entornos de biblioteca que conheci poderiam hoje se chamar de shopping center de ideias e de bons hábitos culturais. Grande parte dos professores da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), da USP, até hoje se reconhece como integrante da "geração biblioteca".


Nas últimas décadas, comprar livros tornou-se mais comum do que era antigamente. Será que a biblioteca foi ficando com cara de "coisa de pobre"?

E onde fica o novo saguão das bibliotecas? Será que as livrarias como a Cultura, a da Vila ou a Martins Fontes estão conseguindo ocupar esse espaço?
Na Antiguidade, existia a praça ou o mercado, onde se trocavam ideias e informações. Onde é a nossa praça? A primeira resposta que aparece é que está na internet. Serão coisas equivalentes? Vai ver são...

A reflexão sobre a diferença entre internet e praça de encontro fica para outra coluna.

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